sábado, 8 de maio de 2010

Depressão e Solidão

"Aproximam-se de mim , silenciosas e ameaçadoras como detetives particulares, e me cercam - a Depressão pela esquerda, a Solidão pela direita. Sequer precisam me mostrar seus distintivos. Eu as conheço muito bem. Há anos que temos brincado de gato e rato. Embora eu reconheça que estou surpresa por reencontrá-las neste elegante jardim italiano ao entardecer. Elas não combinam com este lugar.
Pergunto a elas: "Como vocês me encontraram aqui? Quem disse à vocês que eu tinha vindo para Roma?"
A Depressão sempre bancando a esperta diz: "Como assim, não está feliz em nos ver?"
"Vá embora", digo a ela.
A solidão, a mais sensíveldas duas diz: Desculpe, mas eu talvez precise seguir a senhora durante toda a sua viagem. É a minha missão"
"Eu preferia que você não fizesse isso", digo-lhe, e ela dá de ombros, quase pedindo desculpas, mas se aproximando ainda mais.
Então elas me revistaram. Esvaziaram meus bolsos de qualquer alegria que eu tivesse carregando aqui. A depressão chega a confiscar minha identidade; mas ela sempre faz isso. Então a Solidão começa a me interrogar , coisa que detesto porque sempre dura horas. Ela é educada, mas implacável, e sempre acaba me encurralando. Pergunta se eu acho que tenho algum motivo para estar feliz. Pergunta por que estou sozinha esta noite, outra vez. Pergunta (embora já tenhamos passado por esse mesmo interrogatórios vezes sem conta) por que não consigo manter um relacionamento, por que arruinei meu casamento, por que estraguei tudo com David, por que estraguei tudo com todos os homens que já tive. Pergunta-me onde eu estava na noite em que completei 30 anos, e por que as coisas azedaram tanto desde então. Pergunta por que não consigo me recuperar, e por que não estou nos Estados Unidos, morando em uma bela casa e criando belos filhos, como qualquer mulher respeitavel da minha idade deveria fazer. Pergunta por que, exatamente, eu acho que mereço umas férias em Roma, quando transformei minha vida em tamanho caos. Pergunta por que acho que fugir para a Itália como um estudante universitária vai me fazer feliz. Pergunta onde acho que vou estar quando ficar velha, se continuar vivendo assim.
Volto a pé para casa, esperando conseguir me livrar delas, mas elas continuaram a me seguir, essas duas capangas. A Depressão me segura firme pelo ombro e a Solidão me bombardeia com seu interrogatório. Sequer tenho forças para jantar; não quero que elas fiquem me espionando. Também não quero que subam as escadas até o meu apartamento, mas conheço a Depressão, e sei que ela carrega um cassetete, então não há como impedí-la de entrar, se ela decidir que quer fazer isso.
"Não é justo vocês virem aqui", digo à Depressão. "Já paguei vocês. Já cumpri a minha pena lá em Nova York".
Mas ela simplesmente me dá aquele sorriso sombrio, acomoda-se em minha cadeira preferida e acende um charuto, enchendo o aposento com sua fumaça desagradável. A Solidão olha aquela cena e dá um suspiro, em seguida deita-se na minha cama e se cobre com as cobertas, inteiramente vestida, de sapato e tudo. Estou sentindo que vai me obrigar a dormir com ela de novo esta noite".

Trecho do livro "Comer, rezar e amar", para ilustrar um momento de Solidão... hehehe

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